Arte de capa: Hanna Halm
O Bus Ride Notes não é um site de notícias, mas hoje abro uma exceção pois há muito a se dizer sobre essa faixa.
“Bobagem” fala sobre ter a voz silenciada diante da violência. Infelizmente ainda é muito comum a forma como as pessoas relativizam qualquer denúncia, seja de abusos em relações, questões raciais, de gênero e etc.
Sonoramente influenciada por Parte Cinza, a faixa foi composta em 2014 numa tarde de muita raiva, segundo a vocalista Lety.
“Fiz essa música em 2014, num momento muito delicado, quando estava bastante envolvida com a militância, realizando diversos acolhimentos e senti na pele o que é ter que lidar sozinha com isso quando aconteceu comigo”.
A letra fala sobre buscar ajuda e em troca receber julgamento, descaso e culpa.
“Esse tipo de desdobramento é muito comum após uma situação de violência. As pessoas te acusam de não ter se cuidado o suficiente, questionam seu caráter e te culpam por ter sofrido o assédio, o estupro, o racismo… Ainda é difícil tocar ela ao vivo, e é assustador a quantidade de pessoas que se identificam”, diz Lety.
“A impressão é que ninguém liga, que estamos sozinhas nesse barco sofrendo opressões absurdas, que a nossa voz nunca vai chegar onde deve, e se chegar vai ser relativizada. A rede de apoio é mínima, somos nós por nós mesmo, sabe?”, continua.
“De 2014 até hoje quase nada mudou, até que virou uma chave de que não basta nós mulheres, pessoas pretas e demais corpas dissidentes lutarmos contra as violências que sofremos, está na hora dos aliados cobrarem seus pares e se posicionarem. Tenho cobrado muito isso nos shows e geralmente rola um silêncio constrangedor depois dessa minha fala, salvo manifestações das mulheres e da comunidade LGBTQIAPN+ presentes”.
Todes que acompanham a cena punk observaram um grande avanço que alcançamos pouco antes da pandemia, com pessoas dissidentes conseguindo abrir algum espaço para todes na cena underground.
Hoje no pós pandemia eu não sou a única pessoa a observar que passamos por um momento de regressão. Não acho que podemos chamar de backlash, pois não tenho certeza de que é consciente. O que eu sei é que veio com tudo, veio em grande volume. O machocore retrógado dominou a cena independente.
O que eu vi foi muito cansaço de quem abria esses espaços e sempre lutou na contracultura dentro da contracultura.
Não quero que essa minha fala seja vista como pessimista, pelo contrário, reconhecer quando a gente precisa parar ou dar um passo pra trás pra tomar fôlego ou impulso é essencial pra gente se manter de pé. Como disse RVIVR, “vem em ondas”.
E citando Lety mais uma vez, “Espero que hoje, 26 de Agosto de 2024, a gente possa contar com mais do que nossa própria força. E que os aliados façam mais do que letras politizadas nas suas bandas bacanas”.
“Bobagem” tem a participação de Reynaldo Cruz (Plastic Fire) e Isis Cardoso (SCAR).
A bateria foi gravada por Vita Parente no antigo endereço da Motim, na Gonzaga Bastos (Vila Isabel), as guitarras, vocais e baixos foram gravados por Lety e Mara Chantre em suas respectivas casas.
A mixagem e masterização foi feita por Leo Shogun, “que foi meu professor de áudio num curso oferecido pela Biblioteca Parque no centro do Rio”, diz Lety.
“Shogun adicionou o toque My Bloody Valentine na música, com a guitarrada dominando tudo. Amamos e dá uma prévia do que está nas demais faixas de ‘Existir é Resistir'”.
“Bobagem” faz parte do terceiro álbum da banda, “Existir é Resistir”, que será lançado em 2024 pelo selo Efusiva.
Sobre a banda:
Trash No Star foi formada em 2010, na Baixada Fluminense, RJ, pelo casal Letícia Lopes (guitarra e vocal) e Felipe Santos (guitarra e vocal), que já tocavam juntos em projetos desde a adolescência, quando ainda eram apenas amigos.
Durante a história da banda, os lançamentos – “Single Ladies” (2013) e “Stay Creepy: (no)Summer Hits” (2014) -, shows e participações em festivais foram intercalados com a rotina caótica de ser pai e mãe de três crianças junto da participação na administração da Motim, casa cultural que nasceu em Agosto de 2016.
Além da abertura da Motim, em 2015 Lety fundou com Hanna Halm e Sofia Laureano o selo Efusiva.
“O processo de ter o próprio selo e conciliar a administração de uma casa de cultura mudou muito nossa forma de gerir a banda e nossas relações como um todo. Passamos a vivenciar a Trash No Star como um ponto de acolhimento musical, um coletivo. E desde então estamos em constante processo de ressignificar o que é ter uma banda atualmente, nossos propósitos e prioridades”, diz Lety.
Em 2018 Pedro Millecco assume as baquetas, em 2021 Mara Chantre assume o baixo e Felipe vai para a guitarra, dando início à formação que a banda sempre teve em mente: com uma guitarra exclusivamente focada em fazer noise.
Seguindo a cartilha do underground estadunidense dos anos 80 e 90, cheio de guitarras distorcidas, microfonias, punk e lo-fi, a banda explora estruturas e sonoridades não convencionais com uma abordagem DIY nas gravações e tem como principais influências Sonic Youth, Babes in Toyland, Mudhoney, Flaming Lips, Dinosaur Jr. e L7.
A banda combina leveza, distorção e conscientização, abordando temas psicológicos e políticos.
Da esquerda para direita: Mara,Pedro, Lety e Felipe
Ex colaboradore das antigas Six Seconds e Calliope Magazine e alguns blogs de música. Resolveu fazer o próprio site enquanto não tem dinheiro o suficiente pra fazer uma versão BR do Audiotree Live.