Creio que todo mundo que gosta de música já ouviu falar da figura do produtor musical. Resumidamente, essa é a pessoa que dá um direcionamento sonoro pro artista. Mas o que seria esse direcionamento? Eu demorei muito tempo pra entender o que um produtor faz, eu pensava “Mas se eu já sei exatamente o que eu quero fazer no som, eu não preciso de um produtor, certo?”. Depende de cada projeto.
Se você é um artista solo e quer gravar uma música com vários instrumentos, o produtor certamente vai ter grande parte nessa orientação. Se você tem uma banda e acha interessante ter alguém pra tirar suas dúvidas no momento da gravação, “Como tá essa guitarra? E o volume do baixo? Qual efeito você acha que caiu melhor com o resto do som?”, o produtor é a pessoa que vai te ajudar. Nesse caso é um trabalho menor, mas sabemos que detalhes fazem toda a diferença. Ou as vezes você é o próprio produtor da sua música, compondo e gravando todos os instrumentos.
Pra entender um pouco mais sobre o assunto, convidamos produtores da cena independente pra conversar. Falamos com Mônica Agena, Desirée Marantes e Luke Mello.
“Comecei gravando minhas músicas em casa, no século passado, e não muito tempo depois uma banda local (sou de Porto Alegre) me convidou para produzir a gravação de um disco inteiro. Na época eu nem entendia exatamente o que se fazia numa produção musical, mas sempre fui muito do ‘faça você mesmo’ e basicamente me joguei, acabei me envolvendo na maior parte desse disco (XXX da She’s OK). Fizemos modificações nas estruturas da música, gravei a banda, adicionei uma série de elementos sonoros nas músicas, gravei violinos, enfim, foi uma experiência onde me deram bastante liberdade e muito apoio. Foi uma primeira experiência com produção musical muito positiva, me fez ter muita vontade de participar de outros projetos de discos, gravações, álbuns, etc”, Desirée Marantes.
“O primeiro EP da minha banda Moxine, ‘Electric Kiss’ (2009), foi produzido pelo Rique Azevedo. Depois disso eu não tinha recursos financeiros para continuar gravando minhas músicas pelas vias tradicionais: pagando estúdio, produtor, etc. Foi aí que o Rique me deu o maior apoio e me ensinou alguns recursos da produção musical para que eu pudesse seguir de forma mais independente”, Mônica Agena.
“Eu já produzia umas ‘demos’ caseiras desde 2012, quando eu tinha uns 16 anos. Eu recebia uns amigos em casa e os ajudava a gravar as músicas deles mais ou menos, além de fazer umas demos minhas. Mas comecei a fazer isso profissionalmente mesmo em 2017”, Luke Mello.
Uma das minhas maiores curiosidades era quais são os benefícios de ter um produtor.
“A parte mais legal de ter um produtor, é receber uma visão com distanciamento sobre o seu trabalho”, Mônica Agena.
“O produtor ajuda a direcionar a música, e também ajuda o artista a chegar no som que ele quer. O maior benefício é ter o olhar de alguém de fora na música, que entenda onde o artista quer chegar e saiba os caminhos pra chegar lá”, Luke Mello.
“Pra mim é poder trocar experiências, ideias e aprender com outros artistas. Como eu também tenho trabalhos autorais de música, sempre acho muito interessante acompanhar o processo criativo das pessoas, aprender que tipo de vocabulário usam para descrever como gostariam que suas composições soem, acho fascinante poder testar maneiras não usuais de captação, esse processo todo faz com que eu me sinta meio cientista maluca”, Desirée Marantes.
Outra dúvida era como acontece o trabalho junto ao artista.
“Existe um trabalho de pesquisa da parte do produtor, muita conversa, ouvir muita música junto, para entender onde o artista deseja chegar. A partir daí são definidos os processos e o time que estará envolvido, instrumentistas e engenheiros”, Mônica Agena.
“Geralmente o produtor que tá trabalhando com o artista, escolheu estar ou foi escolhido pra estar lá por já existir alguma identificação musical, né? É ideal que o produtor tenha o conhecimento ‘cultural’ do tipo de música que está sendo feita, pra que suas sugestões não colidam com as vontades da banda, e pra que ele saiba direcionar a banda pro caminho que ela quer ir da melhor forma possível”, Luke Mello.
“Como em todo processo de criação e desenvolvimento de algo, quanto mais conversa para definir o que cada um gostaria e como isso vai ser realizado, melhor. Pois a partir daí é possível começar a esboçar como isso será feito. Eu sou bem flexível em relação a me envolver mais numa gravação ou menos, tem banda que quer que a pessoa produzindo ajude a captar o som deles de maneira que se aproxime à experiência do ao vivo, tem banda/projeto que te chama para ajudar a construir/criar a própria sonoridade, tem infinitas maneiras de fazer isso”, Desirée Marantes.
Perguntei a Luke como foi trabalhar com bandas que ainda não haviam tido contato com produção e gravação profissional.
“É bem tranquilo. Por um lado é gostoso gravar bandas que nunca gravaram, porque a empolgação é bem maior, e o empenho muitas vezes também. Por outro lado também é massa gravar bandas que já têm experiência por elas já saberem como funciona e já chegarem mais preparadas as vezes”.
Todos os entrevistados também são musicistas, então perguntei como é ser musicista e produtor ao mesmo tempo. Isso afeta a visão sobre seu próprio trabalho?
“Eu amo! Toda troca acaba influenciando o meu trabalho de alguma maneira. Seja essa troca como for, não necessariamente vai alterar a maneira como eu toco ou componho, mas possivelmente vai me dar uma visão maior da diversidade enorme que existe quando falamos de criar, tocar, compor, etc”, Desirée Marantes.
“Eu acredito que quanto mais você circula dentro de diversos setores e nichos dentro da música, mais experiência você tem para compartilhar em tudo o que você faz. Então eu procuro fazer de tudo e conhecer músicos dos mais diferentes universos”, Mônica Agena.
“Pra mim afeta um pouco, sim. Eu ultimamente tenho detestado me gravar, porque eu acabo pirando com coisas técnicas que muitas vezes não era pra eu estar pensando tanto enquanto artista, daí acaba dividindo a minha atenção um pouco”, Luke Mello.
Sob o aspecto mais técnico, comentei que algumas pessoas veem esse passo da finalização e da produção como algo que não é artístico, e perguntei qual era a opinião deles sobre isso.
“Eu acho que produção em si é algo artístico sim, já que lida diretamente com a estrutura e o arranjo da música. Já mixagem, masterização e etc pode ser ‘artístico’, mas também pode ser mais ‘objetivo’. Muitas vezes durante a mixagem eu acabo adicionando efeitos ou elementos extras que acrescentam no arranjo ou mudam muito o jeito como ele é compreendido, entre outras decisões que são tomadas nesse momento que podem ser vistas como um trabalho mais ‘criativo’ mesmo”, Luke Mello.
“Eu acho que as duas coisas se complementam, a sensibilidade artística e o conhecimento técnico. Existem produtores que não têm muito conhecimento sobre a engenharia do áudio, mas possuem uma visão diferenciada sobre a estética e estilo, trazendo grandes contribuições para o trabalho artístico”, Mônica Agena.
“Acho que essas pessoas não estão envolvidas nesses processos? Isso foi uma maneira gentil de dizer que essas pessoas estão falando merda (risos)”, Desirée Marantes.
Ex colaboradore das antigas Six Seconds e Calliope Magazine e alguns blogs de música. Resolveu fazer o próprio site enquanto não tem dinheiro o suficiente pra fazer uma versão BR do Audiotree Live.