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Entrevista: Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo

Vez ou outra, um álbum se torna o meu “álbum oficial de ouvir no busão”. Nos últimos meses, esse álbum tem sido o primeiro da Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo. O single “Idas e Vindas do Amor” apareceu aleatoriamente numa daquelas playlists que o Spotify cria de músicas recomendadas e, desde então, a banda não saiu mais do meu fone de ouvido.

Em meados de abril, eu soube que a Sophia Chablau (voz/guitarra), Téo Serson (baixo), Theo Ceccato (bateria) e Vicente Tassara (guitarra/teclados) iriam fazer o primeiro show da banda em Brasília, no Espaço Infinu. Animadíssimo pela volta dos shows com plateia e com as músicas da banda tocando no repeat no meu celular, fui lá entrevistar Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo numa tarde bonita de 24 de abril, horas antes do show (a gente ama escrever sobre bandas que somos fãs, não dava pra perder a chance).

Show esse que, com certeza, vai ficar marcado pra muita gente. Após a apresentação de abertura intimista voz e violão do Kelton, a banda chegou com tudo no palco. O público bem jovem não deixou por menos: cantaram praticamente todas as músicas, formaram rodas punk (há quanto tempo a gente não via uma dessas, ein?) e rolou até a Sophia se jogando do palco direto pra galera.

Brasília andava meio na seca de bons shows assim e Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo mataram essa sede.

Abaixo, você confere um bate papo com a banda sobre o disco, a turnê, Ana Frango Elétrico e muito mais.

Vocês todos já tinham bandas antes de se juntarem, né. A Sophia era da Besouro Mulher, certo?

Sophia: É, eu sou. Ainda toco com eles.

Boto fé, e vocês?

Theo: Eu já toquei em várias bandas, mas hoje em dia toco só nessa.

Vicente: Eu e o Theo temos uma outra banda, chamada Pelados.

Téo: Ah, eu tenho uma com a minha namorada, É Menos Clichê Que Isso.

Vicente: Na verdade a gente tinha várias bandas. O Téo e o Theo tocam há muito tempo juntos. Já tiveram, sei lá, dez bandas diferentes.

E como é que vocês se juntaram?

Sophia: Eu, Theo e Vicente fomos para o Rio de Janeiro conhecer as bandas de lá (em 2018). Aí o negócio é o seguinte, conheci a Ana Frango Elétrico e o Santiago Perlingeiro, produtor dela. Ele falou pra mim: “Eu vou arranjar um show pra você no Rio, você quer?”, eu falei “Quero”.

Show solo?

Sophia: É, show solo. E aí, eu precisava de uma banda pra me acompanhar, a gente já tinha viajado e tal. Falei com o Théo e ele falou “Pô, tem a Uma Enorme Perda de Tempo”, que eram os três, e aí a gente se juntou pra fazer esse show. Por isso que é Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo. E aí, fizemos esse show no Rio de Janeiro. Foi essencial e extraordinário, não porque a gente tocou bem, mas porque foi uma puta vibe.

Théo: E grande parte do show foi repertório do disco mesmo, só não tinha “Delícia/Luxúria” e “Moças e Aeromoças”.

“Não tenha vergonha de escrever uma letra que você acha que é muito romântica e que as pessoas não vão entender, elas vão entender”

Então as músicas do disco já vêm dessa época?

Sophia: Já, rodamos um ano com as músicas do disco em São Paulo e Rio de Janeiro.

Téo: E a gente arranjou elas super rápido, já pensando no show. Não foi tipo “vamos formar uma banda”. A Sophia tinha essas músicas, fizemos um arranjo para o show.

Sophia: A gente não tinha ideia de que iriamos virar nada depois disso.

Téo: Aí depois daquele show, a gente já virou e falou “somos uma banda”.

Vicente: No Rio, um amigo nosso de São Paulo já falou “Vai ter show de vocês na Casa do Mancha”, aí já topamos. Teve esse show e um mês depois a gente já estava gravando “Idas e Vindas”.

Desse encontro até decidir gravar um disco, como foi?

Sophia: Fizemos muito shows, ganhando muito pouco, inclusive. E aí, com esse pouco que a gente ganhava, resolvemos guardar. A gente foi guardando esse dinheiro de, sei lá, treze shows em 2019. Fizemos um show com a Ana lá no Centro Cultural São Paulo. A Ana quando viu o show ficou falando pra mim “Vocês têm um disco, vou produzir seu disco!”.

Eu vi que a Lucinha Turnbull participa de uma música (Moças e Aeromoças), como foi esse encontro?

Theo: A gente estava ouvindo a música e estava faltando alguma coisa, aquele momento da Lucinha, sabe? Aí a Ana falou “Vamos chamar a Lucinha”. Ela foi no estúdio quando a gente estava gravando, rolou uma vibe boa, o santo bateu e ela gravou. Sentou lá a Lucinha com a Ruby, a guitarra dela. A Lucinha é foda.

Vicente: Realmente, a chance que a gente teve de ficar na mesma sala com a Lucinha tocando guitarra… é incrível, impressionante.

Vocês gravaram o disco lá em São Paulo?

Sophia: Sim, no Estúdio Canoa.

E como foi a produção da Ana?

Theo: Foi essencial também, foi o grande link da coisa. Tanto de entender o que a gente estava pensando, o que a gente tinha feito pra coisa, quanto colocando realmente uma unidade geral. Foi bem construtivo o trabalho. Se entender, conseguir questionar, se ouvir, fazer o bagulho rodar bem.

Téo: Também foi um bocado de experimental, a Ana tinha produzido só o disco dela.

Foi a primeira produção dela?

Téo: Produção que não de um disco dela, sim. Hoje em dia ela já está produzindo várias coisas. Então ela também foi experimentando muito, “Vamos jogar o bumbo pra esquerda”, coisas assim. Ao mesmo tempo, a ideia de gravar o disco era pra fazer uma coisa como a gente tocava nos shows, então tinha que soar um pouco como ao vivo. Teve esse lado mais de estúdio, mas também foi bem pá pum.

Theo: Foram oito, nove dias só. O nono dia teve churrasco e a audição.

Sophia: Uma coisa que acho interessante da produção da Ana é que o “Mormaço Queima” foi produzido por ela e outras três pessoas, e foi tipo assim, doidera produzir com tantas pessoas. Acho que a Ana aprendeu muitas coisas sobre produzir em coletivo em algum ponto ali.

Theo: Uma turma né, porque não só tiveram outros produtores, mas também outros músicos que ela estava gerenciando.

Antes do disco vocês lançaram um single, o “Idas e Vindas do Amor”. Também foi a Ana que produziu?

Sophia: Não teve produtor, foi gravado em um dia.

Como foi a gravação?

Vicente: O Thales Castanheira era assistente de estúdio do Guilherme Jesus. O Gui falou pro Thales: “Você deveria chamar alguém pra fazer uma diária grátis”. E aí ele falou que tinha essa galera que ele conhecia, que estava começando, e ia gravar. A gente foi lá e foi absurdo, a gente tinha dois meses de banda, achei muito louco que deu tudo certo.

Theo: A gente foi lá e tocou o que a gente já fazia nos shows.

Sophia: E nessa época a gente tinha feito, sei lá, três ou quatro shows.

Vicente: Foi muito foda, fazer uma diária em estúdio e gravar um single inteiro.

E o que vocês estavam ouvindo quando vocês gravaram o disco? O que vocês captavam de referências?

Theo: Várias referências, a gente escuta muita música juntos. Cada um tem sua vibe e elas se misturam, a gente entra em vibes coletivas, vibes de dupla, trio. Em certo sentido, cada música tem um mundinho de referências. Então tem de tudo, tem o nosso grande Guilherme Arantes, tem o Caetano, tem Sonic Youth, tem My Bloody Valentine.

Sophia: Tem Mutantes, Nego Léo pra caralho.

Téo: A gente estava ouvindo o “Muito”, do Caetano. Bastante “Loveless” (My Bloody Valentine) também.

Sophia: Os discos da Ana, o “Mormaço Queima”. Acho que o nosso disco tem muito do “Mormaço”, se você escutar ele e o nosso disco, tem tudo a ver. Mais que com o “Little Eletric”.

Téo: O jeito que ela escreve também te influenciou bastante, aquele som meio sujo, orgânico.

Sophia: Tem um lance de composição da Ana que a gente se encontrou. Nós fazíamos coisas muito diferentes uma da outra, agora estamos fazendo coisas mais parecidas. Tem uma troca intensa de vibe entre nós duas, cada vez mais a gente está habitando o mesmo universo.

Vocês se encontram em 2018 e de lá pra cá já rolou single, dois clipes, o disco e agora a turnê. É a primeira turnê de vocês?

Theo: É, a gente só tinha ido pro Rio.

Vocês já passaram por onde nessa turnê?

Vicente: A gente fez Rio de novo, São Paulo, Belo Horizonte, Juiz de Fora, Campinas, Sorocaba, Piracicaba, Tatuí, Uberaba, Goiânia ontem e agora Brasília. Hoje é o 11º show.

Sophia: Teve mais outros dois shows em São Paulo, a gente tocou no SESC.

A banda no palco da Infinu com o público cantando letra por letra.

E como tá sendo a recepção da galera?

Sophia: Muito foda, impressionante!

Téo: Inesperadamente boa.

Theo: Uma coisa é em São Paulo, lá a gente está em casa. No Rio também. Mas quando você chega em Uberaba e a galera canta o refrão da música é porque o bagulho tá massa.

Sophia: Ou tipo a galera em Campinas, no interior assim, foi muito foda. Juiz de Fora foi animadíssimo, a galera canta tudo. No Spotify não dá pra gente ter noção da realidade total. Uma coisa que eu fico muito chocada é que a galera canta “Moças e Aeromoças” no final comigo ou “Hello”. As vezes são umas letras que não são um puta refrão. “Idas e Vindas” é uma frase, você aprende até no show, mas tem letras maiores que a galera canta junto.

Theo: “Debaixo do Pano” é difícil pra caralho de cantar.

Vicente: Muitas vezes a galera faz o show. A turnê é exigente, tem dias que a gente tá meio exausto, mas depois no show a galera tá cantando junto e a gente fica muito animado, muito feliz.

Theo: E até agora foi 100% de highlights, galera sempre legal, animada.

Voltando um pouquinho pro processo de gravação, como acontecem as composições de vocês? Quem faz o quê?

Sophia: Num primeiro momento, quem escrevia tudo era eu. A única que eu não fiz parte do processo de composição foi a vinheta do Téo, “Se Eu Fiz Uma Não Canção”. Nas outras, até pelo processo de ser o primeiro disco e chamar eles, foi meio assim. Eu ainda continuo compondo a maioria das músicas, mas agora a gente está se consolidando como banda, e nos shows a gente tá tocando música que é só do Vicente. Estamos virando uma banda mais equilibrada.

Téo: A gente está experimentando mais pra compor.

E esse rolê de fazer shows vai mudando a dinâmica né, vão surgindo músicas novas?

Theo: Acho que sim, não necessariamente músicas novas.

Téo: Uma frase de uma passagem de uma música.

Theo: Músicas que a gente está tocando e que não são do disco, ou até são e de vez em quando eu repenso uma parte de bateria. Testo de um jeito e depois faço diferente.

Vicente: A gente estava conversando sobre isso ontem. Você pensa “putz, podia fazer essa coisa aqui diferente“, aí dá errado ou muito certo.

Sophia: E a gente gravou o disco em 2019. Então, da minha parte, a minha voz quando eu tinha 19 anos e agora que eu tenho 22 já não é a mesma voz. Muda muito. Por essa coisa da turnê, da gente fazer muito shows, eu sinto muito essa exigência de dar umas mudadas até pra ficar mais confortável pra mim.

Theo: Sim, até músicas que a gente muda o tom, coisas que depois a gente tem que ir arrumando.

Sophia: A gente gosta muito de arranjar música.

Téo: Diria que é um dos negócios que a gente mais tem prazer, falo pessoalmente. O momento que a gente está lá com uma música que a gente tem que inventar o arranjo, acho muito mais divertido.

Sophia: O arranjo no ensaio e no show não são a mesma coisa. No ensaio é o arranjo entre nós quatro, no show é entre nós e o mundo. A performance é o arranjo dos corpos que estão juntos num espaço.

Vicente: Arranjo chapado (risos).

E os planos futuros?

Vicente: Futuro estratosférico, cara. Mais show, mais gente cantando, mais som.

Mais gravações?

Téo: A gente ia gravar esse ano. Não vai lançar esse ano, mas a gente quer gravar.

Sophia: A gente já tem as músicas.

Téo: E os arranjos, inclusive.

Theo: A gente estava ensaiando pra um dia gravar. Agora é conseguir levar esse disco o mais longe possível.

Sophia: E mudar o nome da banda pra Banda Fogo no Cu (risos).

E daqui a turnê vai pra onde?

Theo: Pra São Paulo, em primeiro lugar é voltar pra casa.

Sophia: E tocar lá com o Antônio Neves, que é um grande cara.

Theo: Grande cara. Não tá tudo confirmado, não fechou tudo, mas provavelmente vai rolar uma coisa meio Sul. Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nada confirmado, mas por enquanto esses são os planos.

Sophia: E a gente quer muito sair do circuito Sul e Sudeste.

Theo: A gente quer Nordeste, Norte. Vamo lá galera!

Téo: A gente tem que vencer a barreira da passagem de avião.

Sophia: Sim, a gente veio aqui de louco. A gente não tá aqui pra ganhar dinheiro, o nome da banda mesmo já foi Uma Enorme Perda de Tempo e Dinheiro (risos).

Uma pergunta que a gente sempre gosta de fazer no Bus Ride: o que vocês gostariam de dizer pra galera que está começando agora? Galera que está começando banda?

Sophia: Três coisas que quero falar pras pessoas que estão compondo agora: não tenha vergonha de escrever uma letra que você acha que é muito romântica e que as pessoas não vão entender, elas vão entender. Vai ler poesia, preste atenção nas letras que você gosta. Não tenha medo de ser romântico, dramático, abrir o coração. Não ache que a sua varanda é o mundo todo, as vezes você acha que as pessoas não vão entender, mas você está menosprezando as pessoas, elas entendem.

Vicente: Cola em show, assista todas os shows que você puder, conheça a galera. O ao vivo é a coisa mais importante que tem. Tem uma coisa muito contemporânea de achar que tudo se faz pela internet, tudo se resolve pelo Instagram, mas nada se resolve ali.

Theo: Vou falar que estou achando que tá faltando banda punk de colégio, vamo botar pra quebrar nessa porra.

Téo: Um pouco que tem a ver com o que a Sophia falou: não ter medo de tentar. Escreve uma letra, releia algumas vezes, se escuta, entenda que é um processo e não tenha medo disso. Você escreve uma canção e isso já é uma viagem, no momento que vai pro mundo já é outra viagem. Entra nessa viagem e aprenda a gostar dela. Menos perfeccionismo e mais tesão.

Theo: Não se leve muito a sério, só faz o negócio.

Essa coisa da galera ter medo de escrever coisas românticas demais, vocês têm músicas bem pessoais e fortes nesse sentido. A galera as vezes tem uma resistência com esse tipo de música, né?

Sophia: Acho que todo mundo tem essa resistência, porque no fundo as pessoas querem ser mais do que são. Eu sou apaixonada pelo Emicida, fazemos coisas muito diferentes, mas tem uma música dele que é muito linda e ele fala tipo “Eu já dormi na rua, eu já sofri por amor”. Quando ele fala que sofreu por amor numa posição tão forte na vida dele, que é totalmente diferente da minha, eu percebo que sofrer por amor é uma coisa universal. Se você tem uma letra falando sobre sofrer por amor, você está falando com muita gente.

Tem algum artista que vocês sentem muita vontade de trabalhar?

Vicente: Uma coisa muito louca que a gente tá aprendendo com a turnê, é que você vai lá e encontra artistas que você nunca imaginou e são muito fodas.

Sophia: Isso é uma coisa muito doida, eu poderia dizer aqui o Emicida, Billie Eilish. Mas quando você vai pra Piracicaba, conhece Chão de Taco, que é uma banda maravilhosa, você pensa “Eu quero continuar tocando, pra continuar conhecendo gente e a partir daí construir alguma coisa”. A gente não tem uma meta de artista, a gente quer conhecer os que estão aí, e os que estão aí as vezes não são os que estão aí.

Téo: Você nunca vai saber como fazer a coisa, antes de fazer. A gente aprendeu a fazer show, fazendo show. A gente aprendeu a gravar um disco, gravando disco.

Vicente: Os feats que a gente quer fazer são os que a gente está fazendo.

Sophia: Salve pro Jack Will.

Sophia Chablau e Uma Enorme Perda De Tempo está disponível no Bandcamp e nas redes de stream.

Texto e fotos por Junio Silva.