Me lembro dos corres em meados dos anos 2000, quando tentava tocar um selo independente; lançamentos em CD-R sem rótulo, capas impressas em papel simples e tudo isso envolto a um saquinho plástico. Enviando material das bandas para distros em outras cidades do Brasil.
Apesar das limitações, tudo isso sempre me deixou feliz. Poder participar, de alguma forma, do lançamento da banda de um amigo, de algo que você acreditava.
Conversei com o Leonardo Tocha, ele e seu amigo e sócio, Sad, tocam o selo Zoom Discos, com sede em Curitiba, e é um dos selos que mais admiro, tenho acompanhado e posso dizer que muita coisa legal esta rolando ali. Bandas como Wi-fi Kills, Cigarras, Vida Ruim fazem parte do time. Ele nos contou um pouco sobre o selo e os dilemas de se manter ativo por tantos anos.
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Como foi o inicio da Zoom Discos e como chegaram a essa conclusão “vamos fazer nosso selo”?
Eu e o Sad tocávamos juntos há muitos anos em uma banda chamada Evil Idols, mas em 2014 a banda estava para acabar porque nosso baterista ia mudar de cidade. Nós queríamos ter um registro final da banda em vinil e propomos ao Mozine da Läjä Records, que já lançava a banda em CD, fazer um vinil com as músicas novas. Ele falou que rachava a produção, mas a que a gente tinha que se virar com uma parte da grana. Nós tínhamos um troco guardado e entramos com o que faltava.
Na época a gente nem imaginava que ia ter um selo, mas como estávamos ajudando a produzir o disco, inventamos um nome, roubamos uma logo e colocamos o Zoom Discos lá. Depois que o disco saiu, o Evil Idols acabou como previsto e nós ficamos sem pensar no selo por uns dois anos.
Em 2016, eu e o Sad estávamos tocando juntos novamente no Faca Cega, aí na hora de lançar umas músicas a gente resolveu aproveitar a experiência que tinha ganho pra produzir sozinhos o 7” do Faca. Foi nesse momento que rolou a ideia “legal, vamos ter um selo de 7””.
O Sad também toca no Vida Ruim, que estava com material pronto e uma famosa “grana da banda” separada, então logo naquele mesmo ano acabou saindo nosso terceiro disco e aí aos poucos as coisas foram engrenando.
Como acontece ou aconteceu o contato com as bandas lançadas pelo selo?
Bem, vou ter que responder como as coisas aconteciam, né? Nós costumávamos produzir muitos shows em Curitiba e isso fazia meio parte da nossa maneira de trabalhar. Depois desses dois últimos anos sem eventos, a gente ainda não tem muita certeza de como as coisas vão voltar a rolar, mas em geral a gente convidava bandas que costumávamos ver ao vivo no circuito de shows da cidade, bandas que estavam tocando ativamente, que a gente conhecia, que compartilham um certo modo punk de fazer as coisas.
Por exemplo, a primeira banda “de fora” (em que nem eu, nem o Sad tocávamos) que nós convidamos foi o Pantanum, o que foi um passo bem importante para o selo. A gente é muito do punk rock, e o Pantanum tocava um som metal, stoner que não era escolha óbvia no momento, mas eles estavam tocando o tempo todo, fazendo um show matador e entendiam totalmente nosso jeito “faça você mesmo” de fazer as coisas. Hoje a gente vê como foi a escolha perfeita pra dar aquele primeiro passo.
Eu já tive um selo, conheço muitos amigos que tiveram e ainda tem, e sei que não é fácil e nada rentável, principalmente no Brasil. É uma luta, custos relativamente altos. Eu queria que você falasse um pouco sobre como é existir nesse contexto e sobre o formato de seus lançamentos, é tudo em vinil certo?
Costumava ser tudo em vinil, quase exclusivamente compacto 7”, um formato que eu adoro. Acho que é um formato ágil, que fotografa bem um momento da banda, mostra quais são as 4 ou 5 melhores músicas que vocês têm agora.
No entanto, no último ano nós também fizemos alguns lançamentos apenas em streaming, como uma forma de se manter ativo na comunidade nesse período difícil da pandemia e do mercado do vinil.
Mas o grande segredo da longevidade da Zoom Discos é que não é rentável! Por um bom tempo nós colocamos nossas economias no selo só porque a gente acredita e se diverte fazendo o rolê. Depois de muito investir, teve outro momento chave, ali pelo oitavo ou nono lançamento, em que o selo ficou auto-sustentável. Hoje em dia a gente vai reinvestindo a grana que entra nos próximos lançamentos. Continuamos sem ganhar nada, mas pelo menos não precisamos mais colocar dinheiro do bolso.
Mas também não quero romantizar demais esse processo, acho que quem trabalha com música deve ser remunerado como todo profissional. O caso é que nós sempre tivemos nossas bandas e o selo como uma atividade paralela ao nosso trabalho, o que possibilitou que a gente sobrevivesse tempo o bastante para que o selo criasse tração.
Houve uma espécie de “gourmetização”, o “retrô”, “vintage”, etc, fazendo a cabeça da galera, inclusive um estudo que apontava que a geração Z teria sido responsável pelo consumo da maior parte dos discos de vinil nos últimos anos. Isso de alguma forma refletiu na realidade da Zoom?
Talvez um pouco, mas não significativamente. Minha impressão é que a galera do revival do vinil procura mais por relançamentos ou garimpo de coisas antigas, principalmente em LP. Nosso formato de lançar compactos de bandas novas ainda é nicho do nicho. Tem muito interesse da galera de ter aquele clássico dos anos 70, mas pouco de conhecer bandas independentes lançando material novo.
Mas eu não quero reclamar demais, porque esse mercado também nos fortalece por outro lado. Um dos maiores gargalos do mercado do vinil é a dificuldade hoje em dia de se ter um toca-disco legal, a um preço acessível e tal. Muita gente que curte nosso trabalho fala que não compra os discos porque não tem onde ouvir (fora o pessoal que compra mesmo sem ter onde ouvir porque acredita no rolê). Então, o boom do vinil, mesmo que não seja do nosso vinil, acaba beneficiando a gente também, sabe? Quanto mais gente por aí com toca disco e com disposição pra comprar vinil, melhor pra gente no fim das contas.
Ainda na mesma pegada, vou aos shows, e vejo as mesmas pessoas de 15 anos atrás, poucos rostos diferentes, isso aqui em Londrina, tenho até aquela nostalgia de tiozão, quando vejo na rua um garoto de 13 anos usando uma camisa do Black Sabbath e me emociono. É obvio que o punk envelheceu no que diz respeito ao público que já circula há décadas na cena, mas na sua opinião, acredita que haverá uma próxima geração?
Esse é um grande dilema atual não só do punk, como do rock em geral acho. É um estilo que envelheceu, é natural. Quando você é adolescente, rebelde, tá se descobrindo, tudo que você não quer é escutar o mesmo som que seus pais estão ouvindo, é uma questão de afirmação de identidade. Não é uma coisa que acontece só aqui, é mundial, a gente tá vendo um declínio do formato banda de rock, guitarra, baixo, bateria, etc. E não é fenômeno simples, tem muita coisa envolvida como cultura, tecnologia, geração…
A título de provocação, uma vez eu ouvi que gênero musical tem prazo de validade de uns 40 anos. Tipo, nos anos 1920 o que se escutava era jazz ragtime, dali a 40 anos já era um estilo que não era mais relevante. Não que desapareça, deve ter banda de ragtime até hoje, mas perdeu a relevância cultural. Quem sabe o rock não venceu a validade também?
Mas como eu disse, estou falando como uma reflexão, na verdade eu acredito que existe um certo movimento cíclico. É claro que tem gente hoje em dia usando o formato do punk rock pra fazer coisa que não é só uma reciclagem do estilo.
O que eu não concordo é com a galera saudosista que fica achando que a nova geração está errada, que não sabe de nada porque só ouve música no TikTok, etc. Se essa galera tá ouvindo música assim, não é porque eles não sabem de nada, é porque o mundo mudou e o formato que você está oferecendo já não diz muito pra essa geração. A gente que lute.
Gosto muito da pegada “faça você mesmo” do selo, inclusive acho demais as bandas que fazem parte. Eu queria saber se tem alguma banda nova em vista? E sobre futuros lançamentos?
Afe, quero chorar ao responder essa pergunta (risos). No começo de 2020, pré-pandemia, a gente estava em um momento ótimo, com planos pra lançar uma galera. Mas aí, junto com a pandemia que congelou as bandas e os shows, veio a crise nas fábricas de vinil do país e produzir um disco se tornou uma via sacra.
Eu adoraria estar lançando um monte de bandas sensacionais que a gente vê por aí, que vem falar com a gente (o que me deixa sempre muito lisonjeado, quando uma banda fala que quer sair pelo selo, me confirma que nós estamos fazendo um trampo legal), mas a verdade é que nosso ritmo que já era de formiguinha, tipo um ou dois discos por ano, acabou complicando de vez.
Nesses últimos anos, teve selo esperando 10, 12 meses pra receber um lançamento da fábrica, o que inviabiliza um trabalho mais profissional com as bandas sabe? A pessoa que gravou um disco, que está com as músicas quentes ali, não quer e nem pode deixar tudo em stand-by por dez meses até o disco sair, frustra qualquer planejamento. Então esse ano a gente quer sentir como está o mercado antes de nos comprometermos com terceiros. Muito provavelmente vamos tentar fazer um lançamento das bandas mais da casa, das bandas que a gente toca ou que estão bem próximas da gente, antes de se aventurar de novo convidando outras bandas.
Gostaria de agradecer pela paciência e atenção, e deixar esse espaço para vocês se manifestarem livremente.
Primeiro, queria agradecer demais pelo espaço e pela entrevista. Nestes muitos anos de underground, fomos aprendendo a valorizar mais e mais as pessoas que tiram um tempo de suas vidas pessoais, profissionais, para dar gás em um rolê que quase nunca é lucrativo e muitas vezes é inglório. Eu e o Sad temos o selo porque crescemos nesse circuito, vimos muitos exemplos de pessoas inspiradoras e acreditamos demais no poder da gente fazer nossas próprias coisas acontecerem.
Em segundo lugar, lembrem-se de tirar ou regularizar seus títulos de eleitor porque esse ano tem eleição e nós precisamos dar um basta neste retrocesso social, cultural, artístico, político e econômico que assolou esse país nos últimos anos.
Entusiasta e pesquisador amador de bandas novas, viciado compulsivo em cafeína e nicotina e guitarrista/baixista quando a correria da vida adulta me permite.