Na última década, a guinada conservadora no Brasil e no mundo trouxe a urgência de um posicionamento político contra o fascismo. Na música independente tivemos pessoas se posicionando ao bolsonarismo ou à direita, o que naturalmente abalou toda essa de rede de amigues e parcerias de palco.
Assim, produtoras de eventos, jornais digitais de música e bandas assumiram o compromisso de falar sobre o assunto. Aliás, a palavra “fascismo” foi finalmente trazida ao debate, e tivemos até o episódio em que o Dead Kennedys foi derrotado por um panfleto na tour brasileira, pois foram incapazes de assumirem um compromisso antifascista (com os fãs e contra Bolsonaro).
Mas se enxergamos apenas o bolsonarismo, deixamos de ver outros fascismos correndo por aí. A real é que o Brasil está repleto de bandas à direita como skinheads e punks nacionalistas, de NS Black Metal, “fashwave”, muitas realmente ligadas a partidos políticos, movimentos radicais e organizações como integralistas e nazistas.
Nessa matéria entrevistamos a Natália, do Rio de Janeiro, que coordena o Mapa do Ódio, projeto que analisa grupos radicais brasileiros e que nesse mês se dedicou a denunciar bandas neofascistas, com a ajuda dos sites Cifra Club e Letras.
O Mapa do Ódio pode ser acompanhado em tempo real no Twitter e traz uma compreensão mais realista do fascismo atual e como ele se apresenta no Brasil. O capítulo atual, sobre a presença dessas ideias na música, é urgente para nós que trabalhamos com isso; é necessário que nossos shows e nossas redes sejam espaços antimachistas, antirracistas, e seguros para pessoas LGBTQIA+.
Como começou o Mapa do Ódio? E como ele é feito?
Natália: O Mapa do Ódio começou muito a partir de pesquisa de rua que eu fazia com outros militantes antifascistas, mapeávamos principalmente integralistas aqui do Rio.
Na verdade, o grupo integralista começou a ser um ponto modal nos círculos de extrema direita aqui. Bandas “Rock Against Communism”, motoclubes neonazistas, etc. Isso nos levou a perceber que haviam muitos grupos assim e que eles estavam se relacionando.
Durante a pandemia, essa pesquisa obviamente teve que parar e eu comecei a me ocupar mais entendendo esses grupos na internet. Fui olhar grupos bolsonaristas no Whatsapp e vi que tinham algumas conexões entre eles.
A partir disso, comecei a entrar num lugar da internet que chamam de “machosfera”, que é um reduto de incel. Assim como o grupo integralista, foi um ponto modal onde consegui achar outros grupos de extrema direita aqui no Rio, na internet a “machosfera” também teve esse papel. Então, esses dois mundos acabaram se juntando, o online permeia o offline e vice versa.
A partir disso, a pesquisa focou em entender as relações desses grupos aqui na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
O que levou vocês a irem atrás das bandas?
O que me levou a elas foi justamente a pesquisa de rua, esse grupo integralista tinha muita gente do “Rock Against Communism”. Eu tenho proximidade com a galera punk, então já conhecia bastante do meio underground aqui do Rio.
Essa pesquisa foi muito de amigos que foram indicando e, a partir disso, fui achando bandas parecidas nos sites. Tem bandas skinheads integralistas, por exemplo, então eles estão sempre interligados.
Não tem como falar da atuação de rua da extrema direita sem falar dos skinheads. Por mais que seja uma subcultura que tem dado uma diminuída, ainda existe.
Qual é a maior dificuldade no rastreamento de bandas como as que tiveram suas músicas apagadas desses sites?
Como muitas dessas bandas são do início dos anos 2000 e final dos anos 90, elas não tem tanto material online, é mais difícil conseguir provar que a banda é neonazista. A Resistence 88 a gente sabe que é uma banda neonazista, mas tem pouquíssima coisa na internet, só consegui no Last Fm.
Algumas eu sei que são neonazistas, mas não tem nada nesse sentido na presença online deles para que eu possa apontar. Talvez a galera do underground vá sentir falta de algumas bandas no Mute do Ódio, mas é porque não tem como provar. Algumas são fáceis, o Zurzir faz questão de botar o Hitler na capa, mas nem todos os grupos são assim.
Outra dificuldade também são as bandas integralistas. O integralismo no Brasil não é visto como uma ideologia fascista. Inicialmente, com o Plínio Salgado, eles se diziam fascistas e tinham relações com o Mussolini na Itália, mas eles fizeram um “rebranding”. Então, se você fala hoje em dia que o integralismo é fascista, vai surgir um “PlínioSalgado_66” pra te encher o saco no Twitter.
Vai ser uma dificuldade que vou encontrar futuramente, mas vou falar assim mesmo porque é uma coisa bem forte.
Os Carecas do Subúrbio tem muita relação com o integralismo, eles iam fazer um festival em Curitiba em 2015 para criar uma frente nacionalista com muita iconografia fascista. Estou deixando os integralistas por último, justamente para ter uma base de confiança no nosso trabalho.
Você esperava a resposta que obteve do Cifra Club e do Letras? E como é a resposta de sites maiores, como o Youtube, por exemplo?
O Cifra Club e o Letras foram muito parceiros, eu não esperava. Foram super solícitos e estão tirando todas as bandas que eu peço. O Last Fm não me respondeu, mas vou continuar enchendo o saco.
O Youtube também não respondeu, mas quando eu denuncio alguma coisa lá, os vídeos caem. Inclusive, quando eu colocar uma banda que esteja lá e a galera quiser denunciar todos os vídeos, seria incrível.
Eu acho que é importante essas plataformas terem noção do tipo de coisa que está sendo colocada nos sites delas. Eu sei que o Cifra Club e o Letras são colaborativos e qualquer um pode escrever, mas não dá para ter músicas como as do Comando Blindado numa plataforma tão grande de música. Eles precisam rever, criar um algoritmo, talvez passar por um censor humano.
Bandas bizarras com letras horríveis vão surgir, então essas plataformas grandes tem que ter uma maneira de proteger a audiência deles, de não dar palco para essa galera de maneira alguma.
E no underground? Como essas bandas ocupam espaços em lugares mais obscuros da internet?
Como o underground da internet é uma galera jovem, até mais nova do que eu, eles tem outros gostos musicais. Banda skin não faz tanto sucesso na “machosfera”. Acho que a galera que ainda procura essas bandas é mais velha, que teve na juventude essa referência. Os sites que eu tenho aqui geralmente são antigos, do início dos anos 2000.
Então na “machosfera” e no undeground nazista mais atuante é uma galera mais nova, “cripto neonazistas”, digamos assim. Essas bandas não são tão referenciadas lá, mas no underground de rua a gente sabe que tem, ainda toca Virus 27 e Confronto 72 pra cacete.
Então, na internet é uma questão etária mesmo e na rua continuam ouvindo. É importante a gente não deixar isso rolar e falar que o Confronto 72 é uma banda integralista porque o 7 é o G, o 2 é o B, que é a porra do Gustavo Barroso, um integralista antissemita.
Essas bandas vão tocar e a gente precisa saber, se você vai num bar e elas estão tocando, talvez não seja o melhor lugar pra você beber sua cerveja.
Fale um pouco mais sobre o Mute no Ódio
O Mute no Ódio é uma campanha que está no Mapa do Ódio para divulgar a informação sobre o que são os grupos skinheads. Desde a origem, grupos também de esquerda, depois a guinada para a extrema direita no Reino Unido com o “Rock Against Communism”, até como está acontecendo hoje em dia.
Ao mesmo tempo é uma ação para juntar isso e tirar essas bandas dessas plataformas (Cifras, Letras, Last Fm, Youtube). Essas bandas existem há muito tempo e mesmo que algumas delas não estejam ativas (por exemplo, o Zurzir tá todo mundo preso), eles tinham músicas no Letras e no Cifra Club. Alguém colocou isso lá.
Me perguntam muito se eu não estou dando plataforma para eles, na verdade o Mapa o Ódio é muito pequeno e deixar essa galera correr solta não tem funcionado. Diferente do Morgan Freeman, não acho que se a gente não falar do racismo ele vai simplesmente sumir. A gente tem que fazer ele sumir.
Tem algo mais que você gostaria de acrescentar?
Só agradecer pelo espaço, foi muito maneiro. O Mute no Ódio está sendo pensado para ter várias edições, essa primeira é dos skinheads, mas vou falar de outros estilos musicais, como o black metal que tem uma influência neonazista, vou falar do fashwave (o vaporwave fascista), tudo isso em edições futuras.
Então quem quiser conhecer o sacolé de chorume que são os grupos de extrema direta aqui do Rio e quiser acompanhar o mapa, a gente já é bem atuante no Twitter (@MapaDoOdio) e vamos criar um site em algum momento esse ano.
Brasiliense, 23 anos. Escrevo e tiro fotos nas horas vagas. Tô escrevendo sobre música porque ainda não to fazendo música.