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Entrevistas / Leituras

Gravando na Quarentena

Em Março o Covid-19 pegou todo mundo de surpresa e virou tudo de cabeça pra baixo. Tivemos que nos adaptar, quem ainda não sabia, aprendeu que a internet é uma senhora ferramenta e cinco meses depois, a quarentena ainda tá longe de acabar.

Curiosos sobre como o pessoal tá lidando com essas adaptações, conversamos com algumas pessoas que estão gravando em casa. Tivemos a sorte de falar com pessoas de cidades diferentes, que sempre gravaram por home studio, que nunca haviam mexido com isso e até bandas que nasceram durante a pandemia, como Matura (Mossoró), Mastema (São Paulo), que já lançou dois EPs, um álbum e um single, e o projeto solo de Sisie Soares (Curitiba).

Mastema é o projeto solo de Guilherme (Ravir, Jovem Werther).

“O Mastema surgiu na quarentena, no começo, mais precisamente de uma aventura solo. Teve inicio como uma experimentação solo de um projeto eletrônico, que evolui para um disco misto de pós-punk e poesia, e atualmente voltou a se tornar um projeto de eletrônico e viagens minhas. Ele tem uma estética baseada totalmente nos meus sonhos e experiências pessoais, algumas líricas um pouco mais abstratas e outras um pouco mais diretas. Eu dediquei os trabalhos a pessoas que fizeram e fazem parte da minha vida, como uma forma de lembrar delas nesse momento em que estou distante das mesmas”, diz Guilherme.

“Senti a necessidade, e o tempo livre que me surgiu também foi uma grande mão na roda. Senti que as músicas eram razoavelmente boas, que poderiam dizer algo para mais de uma pessoa, e então decidi me focar e mergulhar nas minhas próprias ideias finalmente. Gravo canções e projetos, recortes e tudo mais desde 2012, mas nunca havia me sentido a vontade para lançar algo ao público no formato de um disco completo”.

O projeto solo de Sisie Soares (Naome Rita, Um Deus Blusa) nasceu da necessidade de se gravar em casa em confinamento, mesmo com poucos recursos.

“Comecei a composição em Abril, pois estava de férias que acabaram sendo emendas com os primeiros lockdowns. A ideia era compor e gravar o que me viesse na telha sem me prender a gêneros ou perfeccionismo. Uma viagem por tudo que ouço ou me inspira”, diz ela.

“Não sei se foi uma bem uma escolha gravar durante a quarentena. Com isolamento, as incertezas financeiras e o governo inescrupuloso, eu precisava voltar a minha atenção para algo que me faz bem, que é fazer música. A ideia de ter que esperar isso acabar nesse país está cada vez mais frustrante, pois não há previsão concreta de término”.

Matura também surgiu da inquietação.

“Não foi muito bem pensado, porém a quarentena acabou unindo todo mundo, pois estávamos isolados e inquietos. Isso impulsionou todos a extrair um pouco desse momento, sentimentos que foram surgindo em meio a esse cenário triste e caótico, e a necessidade de buscarmos calma, paciência e reflexão. A sensação de que esse período iria ser longo, foi cada vez mais agravado pelas inconsequências e absurdos desse desgoverno atual”, diz Nixon.

“Rafaum e Yuri já vinham incubando essa ideia quando eu apareci, e tudo fluiu muito rápido, soltávamos o que dava na telha e acontecia. No meu caso especifico, eu estava em um processo de desconstrução musical e o Matura apareceu como uma oportunidade de me desprender de qualquer regra ou formalidade na hora de tocar e compor. Era o puro e simples fazer o que estava sentindo sem muita preocupação”.

Lucca Gonsí (São Vicente), HAYZ (São Paulo) e Tigre Robô (Brasília) não quiseram esperar a quarentena terminar pra continuar as gravações.

“Depois de gravar um EP ano passado, esse seria o ano em que iria começar a escrever as músicas para um álbum. Seria pós pandemia. Surpreendentemente, me deu um up de inspiração e eu escrevi muita coisa nova durante esse período, mas não teria condição de ir para estúdio gravar com a situação atual. Então, para não ficar tanto tempo ‘parado’, decidi começar a investir em um home studio e ‘Intimidade’ foi o teste perfeito” diz Lucca.

“Nós fizemos a pré-produção em fevereiro e continuamos a ensaiar as músicas. Bem quando íamos começar a gravar no estúdio, o mundo se fechou e tivemos que adiar”, diz Bruna (HAYZ).

“O plano inicial era lançar o novo EP no primeiro semestre de 2020. Quando veio a pandemia, em um primeiro momento decidimos apenas suspender todos os planos de gravação e lançamento, pois estava tudo muito incerto. Só sabíamos que era importante ficar em casa o máximo de tempo possível e cuidar das pessoas próximas e de nós mesmas. Conforme o tempo foi passando, entendemos que teríamos que nos adaptar à nova realidade e que o jeito de continuar as gravações seria fazer tudo em casa e à distância. Assim como o primeiro EP, esses sons novos também refletem experiências que tivemos e coisas que sentimos, então achamos importante dar continuidade agora. Além disso, acreditamos que compartilhar nosso som e nossas mensagens também é uma forma de abraçar quem a gente não pode abraçar agora”.

Formada no final de 2018, Tigre Robô está gravando seu primeiro EP.

“O Rafa normalmente mixa e produz uns sons em casa; Na verdade, antes da quarentena a gente sempre gravava na casa dele”, diz Junio.

“Quando a quarentena começou a gente viu que ia ficar mais parado e eu comprei a interface de som pra gravar uns baixos e vocais. Acabei decidindo finalizar as gravações que tínhamos deixado pela metade. Ninguém sabe quando vamos sair disso, a gente queria deixar esse registro e aproveitamos agora para dar continuidade”.

“Depois da quarentena, eu tive que gravar coisas pelo celular. A gente teve que mudar a forma como fazíamos as músicas porque antes eram os três sempre juntos, meio que se ajudando, e agora tá cada um na sua casa. O Junio teve que aprender a usar a placa de som, eu provavelmente vou ter que aprender a usar também. Agora mesmo a gente tá respondendo a entrevista falando pelo celular. Provavelmente faríamos isso juntos”, diz Isabela.

Trash No Star (Rio de Janeiro) gravou um cover de “Quando te Encontrei” (Raça Negra) pro Rock Triste contra o Coronavírus, uma coletânea para arrecadar fundos e ajudar famílias que estão enfrentando dificuldades causadas pela pandemia. O projeto foi encabeçado por Vitor Brauer em parceria com o Movimento de Lutas Nos Bairros. Toda Sexta sai uma música.

“Íamos esperar o isolamento social terminar, mas tem rolado tão bem com a gravação do cover de Raça Negra pro Rock Triste, que estamos pensando em começar a gravação do novo disco da Trash No Star no mesmo formato à distância” diz Lety.

“Estamos gravando eu e Felipe aqui em casa e enviando guias para o Pedro gravar as baterias na casa dele. Ele está captando a bateria através de um Iphone. Pra assim enviar para a Lizz mixar e masterizar, definindo os detalhes através do Whattsapp e encontros a distância por chamadas de vídeo“.

Já outras pessoas nem sentiram diferença nessa questão, como Paul, da Tio Sam e os Homens-bomba (São José do Rio Preto).

“Na real, o normal para a gente sempre foi o home studio, desde o começo da banda em 2012. Nos especializamos em auto produzir e isto é melhor no meu entendimento. Não tem hora pra começar, nem para acabar uma gravação. Fazemos com calma e do nosso jeito. É um caminho sem volta”.

Porém, como todo mundo, eles também tiveram que aprender a fazer as lives, que no caso da Tio Sam e os Homens-bomba contam com a banda toda.

No caso das adaptações que o pessoal teve de fazer, a resposta foi quase unânime: aprender a usar essa tecnologia.

“Acredito que a maior diferença tenha sido me forçar a estudar mais e entender como o software funciona, ficar menos dependente na produção, sabe? Não largo meus parceiros e produtores por nada, mas é bem interessante conseguir ir testando sozinho e criando novas sonoridades” , Lucca.

“Eu já possuía meu home studio, e já havia produzido alguns artistas, Nixon também já se arriscava em produções em casa, e Yuri foi se enveredando pelos beats” , Rafaum (Matura).

“Me adaptei no quesito de ter que administrar meu tempo, pensar em como trabalhar, editar e formular as músicas corretamente. E também em todo o trabalho de como divulgar e lançar o disco de um modo que atraísse o público de uma forma razoável para que algumas pessoas escutassem o disco”, Guilherme (Mastema).

Perguntei pra todos se eles gostaram do resultado e processo do home studio ou preferem voltar às gravações normais assim que possível e as respostas foram um tanto parecidas:

“A maior diferença nem é o fato de ser um home studio adaptado, mas sim de gravarmos sozinhas e à distância. Hoje em dia é possível ter um resultado incrível usando pouquíssimos recursos, e o lado positivo é que a gente aprende e se empodera ainda mais da tecnologia, mas por outro lado perdemos a troca que rola no estúdio quando estamos juntas. Gravar pra gente é um processo de criação coletiva, de apoio mútuo, essa energia que rola não tem vídeo-chamada que substitua. Apesar disso, acreditamos que é super importante continuar produzindo e compartilhando música neste momento, e esperamos que essa experiência dê certo e que possa inspirar outras mulheres a gravarem em casa”, Bruna (HAYZ).

“Era muito mais divertido e inspirador quando estávamos juntos. O processo era mais interessante, mas na situação atual a gente prefere fazer alguma coisa do que esperar”, Junio (Tigre Robô).

“Tem ajudado muito no nosso caso que temos que conciliar filhos e trabalho, mas sinto falta da troca que tínhamos no início das gravações da Trash No Star, por exemplo. A gente se encontrava com as amigas. E também garantia uma qualidade melhor na captação da bateria”, Lety (Trash No Star).

“Se tratando de uma era lo-fi, acredito que as músicas tenham ficado satisfatórias. O feedback está favorável. Claro que não substitui um lugar apropriado, com um profissional experiente. Mas dizem que a necessidade é a mãe da invenção e a música não pode parar”, Sisie Soares.

Use máscara e se puder, fique em casa.