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Resenhas

Pretos Novos de Santa Rita – Se Chegar na Esquina é Checkpoint

Será que vai sobrar algo amanhã?: Uma resenha de “Se Chegar na Esquina é Checkpoint”, a estreia dos Pretos Novos de Santa Rita.

Pretos Novos de Santa Rita são Bing (vocal), Gênesis (bateria), Sonic (baixo) e Ton (guitarra). Em 2019, o grupo carioca botou a cara na cena com o EP “Se Chegar na Esquina é Checkpoint”. O trabalho foi gravado no estúdio Fluxroom e produzido por Philip Sanchez.

Em entrevista ao Nada Pop, Bing explica que o nome do grupo, tirado de uma estação do VLT que liga a região portuária e o centro histórico do Rio, evidencia a cultura negra e a posição de não se furtar da responsabilidade que é carregar essa bandeira em suas músicas nesses tempos de resistência.

O nome da estação Pretos Novos/Santa Rita homenageia o cemitério onde escravos eram enterrados próximo a igreja de Santa Rita, no Rio. O Rio, que inclusive, alcançou a marca de 885 mortos em ações policiais no primeiro semestre de 2019. Desses 885, 711 eram negros ou pardos. A Cidade Maravilhosa continua enterrando mais e mais corpos negros, não se sabe, porém, se esses 711 serão homenageados com estações, praças ou ruas.

Com apenas cinco músicas e muita poesia nas letras sobre o amor, o ódio e a vida na sua forma mais crua, “Se Chegar…” é um belo encontro entre o trap/rap com o jazz que remete à sons como Tyler The Creator e Nill. A primeira música “Jazzada” é de um groove hipnotizante embalado pelos versos de Bing. “Acaba o show. Só os pretos vêm e agradecem. Se eu rezasse, eu pediria isso nas minhas preces”, abre a faixa.

Em “Ouvindo Of” o dedo já vai direto na ferida. Dramas familiares, sexualidade, paixões e frustrações aflorando mas sem nunca perder o deboche. “Eu vou rir mesmo, foda-se. Esqueço das merdas e acho graça das coisas. Mas dentro tô que nem frozen”. Mantra de quem sabe o que é marcar um Checkpoint em cada esquina no caminho.

Na faixa “Slowfunkmetal”, apesar dos instrumentais que parecem ter saído de um sonho, Bing não perde a oportunidade de alfinetar figuras conhecidas da cena do trap/rap nacional. O recado fica dado em trechos como “Raffa vai ficar rico com sua burrice no Insta. Lamentável IIIx achar que o Froid é terraplanista”.

Fica aqui o destaque para a banda que providencia o “morde-assopra” das músicas, trazendo a atmosfera leve e até sensual que serve de base para as pedradas que Bing dispara nas letras. Não se engane, não: se você se descuidar, periga perder o ponto aqui . “Não sou filho da sua mãe. Não encosta no meu black. Eu sou artista mermão”, diz a letra de Slowfunkmetal.

“Janela”, a melhor do EP, é de uma sinceridade brutal sobre a relação entre paternidade e maturidade. É prestar atenção para sair catando as referências espalhadas na letra: aqui tem Kendrick Lamar, filosofia, cinema e Samba. Mas, de novo, nada disso tenta mascarar a dor guardada nas letras. “Todo dia eu acordo, puta que pariu. É o peso do mundo todo, bala de fuzil. Viagem no tempo podia rolar, ia ser da hora. Mandar um e-mail pro meu pai: na moral, goza fora”, desabafa Bing.

O EP se encerra com “Te Traz de Volta” deixando aquela sensação de desconforto e inquietação. Os Pretos Novos de Santa Rita fazem questão de pôr tudo à mesa, sem muitos rodeios. O amor não fica ileso das tretas que nos cercam e que carregamos desde o nascimento, as coisas não estão tão distantes assim em “Se Chegar…”. Antes de tudo, o amor aqui é real, é cru. Não esquece: “Dorme bem, que já vem o amanhã e nada vai sobrar”.