FOTO: JÉSSIKA LIMA
Existem poucos segundos entre o início de uma música e o turbilhão instrumental que atropela os nossos ouvidos. O som que sacode e derruba tudo ao redor logo recebe os vocais dilacerantes de David Dória, também responsável pelas guitarras. Acompanhado por Paulo Bruno (baixo) e Matheus Porto (bateria), o turbilhão toma a forma de Zeitgeist, banda aracajuense que em “A Dança dos Mortos” faz seu terceiro lançamento.
Zeitgeist é uma expressão em alemão que pode ser traduzida como “espírito de um tempo”. O nome da banda faz jus ao Brasil de 2019 (ano em que foi lançado o álbum) e as letras das músicas não deixam dúvidas. O espírito do nosso tempo atual é um espírito de morte. O Brasil fede o cheiro de morte e exige mais e mais mortos. Insaciável, segue dançando a dança dos mortos.
Quantas vezes morremos num dia só? De quantas formas morremos mesmo estando vivos diariamente? Morte pela rotina. Morte por paranoia. “Sou a estagnação que vai acabar comigo”, diz a letra de “Até o Fim”, música que abre o álbum. A primeira parte do álbum parece focar nessas questões, a lenta e constante dança dos mortos que dançamos todos os dias. “Eu não sei se vou suportar. O cansaço vai me matar. Rotina guilhotina” berra o refrão da quarta música, “Guilhotina”.
Destaque para “Not Good Enough”, única faixa em inglês. Apesar de parecer um tanto deslocada no meio das demais músicas pela escolha do idioma, a letra também se encaixa no clima de frustração, raiva e acidez do resto do álbum. “No matter the efford. I’m not good enough”.
A segunda parte do álbum aponta todos os dedos ao retrato do imbecil alt-right que prolifera a Internet, único espaço em que o tipo tem coragem de dar as caras sem armas ou faixa presidencial. Surdos de qualquer senso crítico, poderiam até simpatizar com a letra de “Pátria Amada” sem perceber os dedos apontados para si. “Fora o índio, fora o negro, fora o pobre. Brasil. Pátria amada, idolatrada, salve, salve. Brasil. Meu país, tradição e propriedade”, ironiza a letra.
A mensagem fica ainda mais clara nas músicas “(A Arte de Acreditar que Você Pode Esconder seu Fascismo sob a Máscara da) Opinião”, e “Retroceder Adiante”. Nessa última, David Dória assume a persona de um típico machão internauta que se intitula anarco-capitalista mesmo sem capital.
Tão abrupto quanto se inicia, o álbum termina em “Depois do Fim”. São 12 músicas, a mais longa durando 3 minutos. “A Dança dos Mortos” é um álbum direto e impiedoso, sem espaço para recuos.
A capa foi ilustrada por Canijan Oliveira e faz referências aos nossos monstros cotidianos que dão as mãos na sinistra dança que rege o Brasil. O Curupira veste uma camisa que se assemelha ao uniforme da seleção brasileira, símbolo do golpismo covarde de 2016, um padre e um sujeito armado o acompanham. No centro da ciranda dos monstros, vemos livros sendo atirados à uma fogueira aos pés de uma mulher indígena. O recado foi dado.
Brasiliense, 23 anos. Escrevo e tiro fotos nas horas vagas. Tô escrevendo sobre música porque ainda não to fazendo música.