Vidro é uma banda sueca formada pelo guitarrista Lukas Lima, um músico brasileiro que mora em Estocolmo. Em sua primeira passagem com a banda em Londres, eu conversei um pouquinho com ele pra saber como é a vida de músico independente por lá.
Há quanto tempo você mora na Suécia?
Já tem dez anos, me mudei pra lá quando eu tinha 22 anos, pela oportunidade de estudar Design Gráfico por um ano em Estocolmo e acabei ficando.
Por quê Estocolmo?
Foi pelo curso, completamente aleatório. Eu pesquisei e achei esse curso em algum lugar, fui aprovado e achei que não podia perder essa oportunidade. Tranquei faculdade, vendi tudo que eu tinha e fui.
Você conhecia alguém por lá? Algum brasileiro?
Brasileiros não, fui conhecer algum tempo depois indo aos shows. Eu conhecia algumas pessoas, como o pessoal da Nitad (banda sueca de Punk/Hardcore) que havia tocado com uma das minhas bandas alguns anos antes quando estavam em turnê pelo Brasil e sempre mantivemos contato.
Qual foi o processo pra recomeçar a tocar em bandas por lá?
Quando eu resolvi que ia morar em Estocolmo, eu decidi que não dava pra parar de tocar e decidi montar uma banda. A princípio minha ideia foi comprar um violão, escrever uns riffs e ir compondo. Demorou um tempo até me estabilizar e alguns anos depois eu liguei pro baterista do Nitad pra chamá-lo pra montar uma banda e foi muito engraçado porque ele falou “Alô, ia te ligar agora mesmo cara, te chamar pra montar uma banda” e eu falei “Cara, eu tou te ligando pra montar uma banda”. E então ele disse que estava montando uma banda com um guitarrista amigo nosso e eles estavam procurando um baixista. Eles sabiam que eu tocava guitarra, mas eles queriam um baixista e eu entrei na deles e acabei indo tocar baixo nessa banda. Mas era uma outra onda, eu continuei escrevendo minhas músicas. A gente tocou bastante por um tempo, depois deu uma acalmada e eu decidi montar outra banda.
Como surgiu a Vidro?
Eu conheci a Melody (baixista), ela nasceu nos EUA, morava em Umeå (Norte da Suécia) e estava se mudando pra Estocolmo. Eu a conheci num show e ela já tocava em algumas bandas em Umeå, mas queria montar uma em Estocolmo e eu me ofereci pra tocar com ela. A gente foi ensaiar, eu mostrei as músicas que eu tinha escrito e ela gostou. Chamei um amigo pra tocar bateria, mas ele já tocava em outra banda e não queria montar outra, só vinha ensaiar de vez em quando. Um dia um amigo me apresentou a Vendela e ela se juntou aos nossos ensaios pra assumir os vocais. Colocamos então um anúncio na internet à procura de um baterista e tivemos três pessoas interessadas. Nós audicionamos dois deles e escolhemos o Staffan que está conosco até hoje.
Quanto tempo tem isso?
Dois anos. O que eu acho legal é que são músicas que eu escrevi na época em que me mudei pra Suécia e só fui tocar mesmo com banda uns sete anos depois.
Eu achei interessante você montar uma banda com mulheres. Estamos acostumadas com os caras chamando outros homens, talvez com mesma identificação musical ou social para tocar junto. Foi intencional que houvesse essa diversidade de gêneros?
Até então eu sempre tinha montado banda com homens mesmo, meus amigos. Sempre foi meio que um caminho natural. Mas isso acabou mudando demais com o tempo. Quando você se muda pra outro país, você acaba expandindo sua mente um pouco mais. Mas não foi intencional não, foi orgânico.
Eu notei durante minha turnê na Suécia que as mulheres tem voz ativa na cena punk e são bastante respeitadas pelos caras. Você diria que a Suécia é um país menos machista que o Brasil?
Com certeza, muito menos.
Como é essa cena punk sueca comparada com a brasileira?
Acho que anos-luz à frente, mas não acho que isso tem a ver com a cena punk em si e sim com a sociedade em geral e sua cultura. Reflete em todas as áreas. A Suécia é um país muito menos machista, uma outra mentalidade. No Brasil ainda está se discutindo o aborto, na Suécia o aborto foi legalizado na década de 30, saca? Quando você se muda pra lá a discussão muda de nível, o básico está estabelecido pra todos.
E sobre o racismo? Você consegue identificar muito?
Então, no Brasil eu sempre fui esse homem branco e privilegiado. Quando mudei pra lá eu experimentei pela primeira vez a perda dos meus privilégios, eu me tornei um imigrante latino. Eu percebi como é ter uma outra identidade estabelecida pra você. Tem racismo na Suécia sim, mas é diferente. No Brasil o racismo não tem a ver com imigração, você vê um negro na rua e não pensa “nossa, de que país será que ele veio?”, é muito mais um lance de classe. Na Suécia as pessoas automaticamente já começam a questionar sua origem, você pode ser a terceira geração da família já enraizada na Suécia, mas eles sempre vão querer saber “de onde você veio”.
E a língua? Foi difícil aprender sueco?
Demorou um pouco. Quando cheguei em Estocolmo só falava inglês. Quando arranjei um emprego onde a maioria falava sueco, eu comecei a aprender com eles.
Você pensa em voltar a morar no Brasil? Como é sua vida na Suécia?
Não pretendo voltar. Estou casado com uma sueca e temos uma filha de dois anos. Sinceramente eu acho que a Suécia é o melhor país do mundo pra se criar um filho, cheia de benefícios, e ainda assim é super difícil. Eu fico imaginando como as pessoas conseguem nos lugares menos favorecidos, como no Brasil.
A Vidro fez sua primeira turnê no Brasil, ano passado. Como foi?
Tocamos em Campinas, Curitiba, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo e foi super legal, a galera da banda curtiu muito o Brasil. Fomos bem recepcionados, bem massa! Ia ser legal voltar pra uma outra tour em breve.
Confira o som da Vidro:
Paulistana antifascista. Ex-Calliope Magazine, ex-blogueira, ex-fotologger. Musicista independente sediada em Londres/Reino Unido.