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Resenhas

Tuíra – Calma e Força

Tuíra é uma banda do Rio de Janeiro, formada em 2017 e atualmente com Amanda Azevedo (voz e guitarra), Hanna Halm (baixo e voz), Juliana Marques (bateria) e Thaís Catão (guitarra).

É uma das bandas que a gente coloca no subgênero queercore apesar de não tocarem hardcore, nem as letras falarem exclusivamente sobre a vivência LGBTQ+ (se você não sabe do que eu tô falando, leia aqui nosso rascunho sobre).

Em Dezembro a banda lançou o primeiro EP, “Calma e Força”, e além das nossas impressões, as músicas têm muitas referências.

As letras, que não foram escritas sobre você, mas falam sobre você, são melancólicas, indignadas, otimistas e se contrastam com o som animado com influências de indie e emo (anos 90 e revival), cheio daquele timbre de guitarra estalado característico desses gêneros.

O nome “Calma e Força” reflete muito bem tudo isso. Pega a caixa de lenço e vamo ouvir.

Desde a escolha do nome à composição das músicas, a banda aposta no protagonismo das mulheres em suas diferentes formas. Começando por Tuíra, escolhido em homenagem à indígena Kayapó, que com seu facão barrou a construção da barragem de Belo Monte na década de 80.

A música “Kararaô” (que vai ficar dias grudada na sua cabeça) fala sobre isso. Essa é a única música do EP que não abre espaço pra várias interpretações: “Eu vou botar meu facão na sua cara injusta, eu bem sei que essa água vai nos afogar. Kararaô vai matar os filhos da santa terra, sua história alagada demarca o fim”.

Kararaô era o nome original da usina de Belo Monte, que foi modificado em respeito aos indígenas, pois Kararaô é o grito de guerra do povo Kayapó.

Conseguimos escrever um texto longo sobre “Crimeia”. É difícil até escolher só uma parte da letra pra citar. É uma música sobre resiliência, praticamente uma catarse. Eu acho incrível quando conseguem expressar esse conceito e monte de sentimentos numa curta letra de música: “Existe um eu de calma e força persistente entre entranhas de agonia e medo”.

Segundo a banda, a faixa “é um grito urgente por resistência, mas também uma evocação ao acalento e força que encontramos nas nossas relações leais, em quem nos dá gás e nos inspira perseverança pra continuar reagindo as violações do cotidiano e realizando nossos projetos”.

Não à toa ela foi escolhida pra ser o primeiro single, lançado em Agosto. “Quem vai dizer ou julgar não sabe de nada, não quer dizer nada”

O título da música faz referência a Crimeia de Almeida, militante política e ex-guerrilheira no Araguaia, presa e torturada pela ditadura militar brasileira quando estava grávida de sete meses, em 1972.

Quando ouvi “Ella” não entendi muito bem a letra. Parece um relacionamento mal resolvido? Mas “Seus donos nem se deram conta da ruína que você criou” me deu ainda mais dúvida.

Segundo a banda, “Ella” fala sobre a inteligência artificial, os algoritmos das redes sociais, “A nossa inspiração era o Teste de Turing sendo Ella um chatbot criado pra testá-lo (é um algoritmo de processamento de linguagem que pode reproduzir a fala humana analisando padrões em grandes coleções de texto). Acontece que com o tempo algumas pessoas trouxeram novas interpretações pra letra da música, levantando que também parecia tratar sobre relacionamentos abusivos, romances mal acabados, etc. A gente recebeu super bem essas interpretações, afinal a relação que temos com os algoritmos hoje tem muito dessa sensação de abuso.”
Depois de ler isso tudo fez sentido, inclusive minha confusão inicial.

“Só o Fim”, o nome já diz tudo. Geralmente nós vemos finais retratados com raiva, rancor e “sofrência” (pare um minuto pra pensar em quase todas as músicas e filmes que você já viu). Aqui a gente vê mais cansaço e aceitação, “Certas coisas o fim resolve e não vale a pena a discussão”.

Tem muita coisa pra falar sobre esse EP, mas ao mesmo tempo você tem vontade de dizer apenas: ouve, só ouve ele. Porque esse aspecto catártico, de melancolia e otimismo ao mesmo tempo, é muito presente nas letras e cada um tira uma coisa diferente disso.

Por isso também não consigo falar sobre “Corda Bamba”, talvez minha música preferida do EP, só citar: “Já contou as glórias da semana, as tristezas diluiu em seu batom azul e suspirou com ar de quem prevê. Garrafa na metade, corda bamba, caos total. Na rua ela tá pronta, ela que sabe dela, ela não é você”.

Respira fundo, põe o fone e vai ouvir. Calma e força.