Pouca gente entendeu a campanha pra destruição musical. Fizeram do barulho um emprego, uma oportunidade, ser extremo virou mais um nicho de mercado. E aí um monte de meninos e meninas passaram a acreditar que precisavam do aval de selos, gravadoras e revistas pra existir e fazer parte da cena e a ideia do faça você mesme se perdeu.
A música punk passou a ser música autoral, as bandas agora tocam em pubs de rock com cerveja artesanal e em festivais bancados por edital de governo. Não fazemos mais por nós mesmes e a gente se contenta em comprar meia com logo de banda porque em algum momento isso fez mais sentido do que toda uma cultura política que o punk nos mostrou.
Destruir a música não é tocar o mais rápido e mais alto que conseguir, há uma indústria inteira pronta pra transformar tudo isso em tag, te dar um posto de artista, mudar toda a sua relação com o que você cria. Destruir a música é buscar autonomia, é torná-la subversiva de novo. É entender como funciona a estrutura de ídolos, estrelismos e mandar esses artistas punks pra merda. Destruir a música é desacreditar na própria música, ela não é o motivo porque estamos aqui juntes.
Nós somos mais do que tudo isso, criamos laços e relações que nunca tivemos, compartilhamos da mesma vontade de ser o que somos porque o punk nos permite viver por nós e não há indústria alguma que vai dizer o que devemos fazer.
A antimúsica permanece mais viva do que sua cena de música morta. E vamos até o fim com isso!
Formada em 2017 por Bia (guitarra e vocal), Thais (baixo) e Fernando (bateria) em Vitória, ES, Prayana é uma banda de noisecore e antimúsica e esse é o manifesto que leem em todos os seus shows.
Antimúsica é um conceito novo pra mim, a primeira vez que ouvi falar disso foi em 2014 ou 2015 num festival com bandas de crust, grind, noise, etc, que na época eu não era muito familiarizada. A banda de antimúsica fazia muita barulheira, o vocalista ficava de costas pro público e a banda constantemente muda seu nome.
Quando conheci a Prayana fiquei curiosa com essa coisa toda e pedi pra eles uma entrevista que você lê a seguir:
Vocês podem falar um pouco sobre a banda pra quem não conhece?
A Prayana surgiu como um projeto de noise em 2017 comigo (Bia) na guitarra e na voz, e com o Nando, na bateria. A princípio a ideia era fazer um noise bem cru mesmo, na doideira de não saber tocar nada e fazendo o som que a gente gosta com o que a gente tinha (bateria, guitarra e voz).
Com o tempo ficamos bons em tocar essa doideira, fomos encaixando letras e tudo foi tomando mais corpo e, pra gente, ficando cada vez melhor.
Pensamos então em complementar a barulheira com alguém tocando baixo. Daí surgiu a ideia de chamar nossa amiga Thais, que faz a formação que a gente é hoje, completando dois anos de Prayana, com alguns shows bem legais, outros muito malucos.
Não faz sentido perguntar por que uma banda toca certo gênero musical, mas noisecore e antimúsica é mais um conceito, né? Tinha algo a mais que vocês queriam expressar?
A gente sempre ouviu barulho, mas a ideia de que existia uma comunidade grande noisecore é bem nova pra gente (mas na verdade existe desde o final dos anos 80). Esse lance de antimúsica é muito doido porque encontramos no Lärm, mas também nas bandas anarcopunks do Brasil. Vimos o documentário da Marina Knup esses dias e tem uma fala bem assim, de ter banda como expressão, de não se importar com melodia ou ritmo.
Acho que antimúsica é algo bem grandioso, questiona essa ideia besta de que precisamos ser artistas pra montar banda, que precisamos dominar um instrumento pra fazer um som. E mais, traz o faça você mesma de volta pro punk. As vezes a gente vê o D.I.Y. se perdendo e cada vez mais gente achando que isso é sobre fama, status e ter espaço em algum mercado musical. Aqui é punk, galera!
E foi aí que nos aproximamos do noisecore, aqui ele é total faça você mesma, as bandas ainda trocam materiais, tem uma união incrível e zero competição. Mesmo morando longe das bandas noisecore que nós gostamos, ficamos muito felizes de muita gente abraçar a Prayana, chamar pra fazer Split e essas coisas.
Muita gente ainda ignora que existimos, mas estamos aí, gravando, lançando material e organizando nossos shows. No dia que não fizer mais sentido, a gente para.
Vocês participaram de vários Splits, 4ways e etc. Tem alguma razão pela preferência do formato ou é só gosto mesmo?
Fazer junto é bem mais legal, não tem a ver com o formato em si, é mais sobre envolver pessoas. Como já fazemos tudo por nós mesmas, convidar pessoas pra fazer também, seja do outro lado do mundo ou em uma cidade perto, faz a coisa ser menos individual e mais coletiva. Principalmente numa cena onde uma ajuda a outra, onde as pessoas tem a mesma forma de fazer as coisas.
Fazendo Splits a gente acaba se aproximando bastante das bandas irmãs, isso é incrível. E sempre que pode a gente sai um pouco dessa coisa de lançar em internet. É legal ter a sensação de que muita gente pode ouvir o que você lançou, mas às vezes fica só na sensação mesmo, porque tá lá no Youtube mas ninguém se dá o trabalho de apertar o botão. Então fazemos CDr, minicd, k7 e distribuímos no círculo de pessoas que se interessam, que perguntam, que pedem. E assim vai.
Como é o processo de gravação de vocês, já que vocês não costumam gravar em estúdio?
É tudo referência mesmo. Começamos a banda por causa do Purenoise e ela tem umas gravações bem caseiras. Se você pegar a maioria das bandas, é nessa linha. E é lindo, é como a gente quer soar.
Gravamos muita coisa pelo celular. A primeira demo foi a mais caótica, aos poucos fomos experimentando gravar os instrumentos separados e depois juntar em algum programa baixado no Superdownloads haha. Mas é tudo pelo celular e funciona muito bem.
O último Split com a Ruidosa Inconformidad gravamos em casa, e aí já foi com microfone. Mas é isso, nós por nós. O Bonadio não gosta, o poser hardcore profissional também não, mas quem liga?
A cena tem mudado demais nos últimos anos, como andam as coisas em Vitória?
Acho que igual em todos os lugares. Tem banda nova, tem banda velha voltando. Tem espaços legais surgindo, tem pub criando nicho com banda punk, tem o underground e tem empresários. Tem banda de mina foda, tem gente se organizando e fazendo as coisas.
A eleição do Bolsonaro e tudo que isso trouxe alimentou um lance no Brasil todo, eu acho. A necessidade de estar juntas e se expressar é muito grande.
Últimas considerações? Algum recado?
Obrigada pela entrevista! A gente lançou um Split com a Ruidosa Inconformidad, do Chile, num mincd muito lindo, com arte foda da Emilly Bonna. Quem tiver a fim, só escrever que a gente manda.
E é isso, mantenha sua cena política sempre, na forma de fazer e de se relacionar com as pessoas no meio. Criem e mantenham espaços seguros pra todas nós.
Ouça Prayana no Bandcamp:
Ex colaboradore das antigas Six Seconds e Calliope Magazine e alguns blogs de música. Resolveu fazer o próprio site enquanto não tem dinheiro o suficiente pra fazer uma versão BR do Audiotree Live.